domingo, março 17, 2013

Angola e o Futuro

A fulanização tomou conta do noticiário que nos chega de Angola - e tem, quase sempre, a ver com questões ligadas a dinheiro (mal ganho, mal gasto...).

A discussão séria de questões sérias se existe faz-se em círculos muito restritos e não transpira para os chamados meios de comunicação social - todos, ou quase, virados para a crítica muito adjectivada e denunciadora de lutas de interesses inconciliáveis.

Da análise do presente da vida do país, virada ainda para a criação e alimentação de uma burguesia negra, muito concentrada e insaciável na acumulação de capital e meios de produção, não se conclui uma preocupação com a grande maioria do povo que vá para além da atitude simpática em busca de um voto em próximas eleições.

Não se percebe uma especial preocupação com a estrutura do Estado - muito virada para a satisfação de exigências de grupos ou de individuos e, por isso, com uma dimensão que não se percebe.

O Estado angolano pode comparar-se a uma máquina imaginada e criada por um mágico louco que foi juntando peças sobre peças, dividindo-a em blocos, no pressuposto de que cada um deles cumpriria uma função. Só que a troca de peças deu uma confusão tremenda e poucos dos seus membros sabem o que e como fazer.

Para além da ineficácia, há a concentração. Luanda é a capital e é nos corredores das suas luxuosas residências, nos restaurantes caríssimos, ou nas ruas repletas de automóveis de alta gama que se colocam todos os problemas do país, a serem resolvidos, nunca no respeito pelos verdadeiros interesses do povo, mas tendo em atenção a necessidade de reforçar o poder de um grupo ou de um indivíduo.

Pode mesmo acontecer que determinada medida seja tomada para diminuir influências...

Todavia, é possível constatar que determinadas regiões, em determinados períodos, porque governadas por gente, que sem deixar de cuidar bem dos seus interesses pesssoais, não abdicou de  partilhar uma parte do poder que lhe coube com os seus concidadãos e promoveu algum desenvolvimento colectivo. Essas regiões são, todavia, poucas, até porque, normalmente, se procede a uma rotação de gestão assente em critérios de compensação ou castigo pessoal e nunca nos da competência e/ou naturalidade.

Este Estado totalitário enorme, concentracionário, ineficaz, propiciador do desenvolvimento de caminhos que levam à corrupção fácil, não tem futuro possível.

Composto maioritariamente por gente do MPLA, de resto a única força política verdadeiramente organizada, no passado, para a conquista do poder e, actualmente, para o manter, este Estado será destroçado no momento em que a força que o sustenta deixar de ter uma liderança suficientemente inteligente para gerir os múltiplos interesses que, entretanto, ao longo de mais de trinta anos, foi criando, dando e tirando.

A pulverização deste Estado mastodôntico proprocionará a disputa séria dos grandes grupos económicos criados neste processo de distribuição da riqueza criada pelo país, acumulada por poucos e, muita dela, exportada para portos mais seguros, no exterior.

A provável implosão do MPLA levará, seguramente, a uma situação perto do incontrolável onde se desenvolverão movimentos políticos, uns oportunistas, outros autênticos, assentes na reivindicação de autonomias para as várias Nações que compoêm este Estado, cujo partido que o sustenta ainda usa o slogan "um só povo, uma só nação", muito útil numa estratégia de comunicação na situação de luta armada - como o foi - , mas completamente desasjutado na actual situação.

De facto, um slogan certo será o que transmitir a ideia de Unidade para "Um Só Estado, Muitas Nações". O tempo para rectificar a diferença de conceitos encerrada por estes dois slogans talvez já não seja muito porque o Estado Angolano, tal como existe, não tem capacidade nem legitimidade política para travar as inevitáveis reivindicações de autonomia das várias nações que o constituem.

Este Estado, que não se entende a si próprio, deveria programar a sua reorganização num Estado federal, à semelhança dos Estados Unidos, reforçando, dessa maneira, a Unidade e não permitindo a desagregação, que, perante uma eventual implosão do MPLA, será inevitável, com o aparecimento dos caciques locais, com legitimidades assentes em divisões tribais e sustentadas pelo poder que o próprio MPLA lhes foi concedendo durante todos estes anos de criação e fortalecimento de uma burguesia apenas virada para a acumulação de riqueza, sem atender à circunstância de que a política tem outros valores bem mais importantes.

Uma regionalização à espanhola seria indesejada porque conduziria, inevitavelmente, à desagregação do território, mas um Estado federal reforçaria o Estado central e proporcionaria a todas as regiões-nações as ferramentas indispensáveis ao desenvolvimento global de um país há demasiados anos transformado em feudo de grupos pouco interessados no futuro.

sexta-feira, novembro 18, 2011

PEDRO PIRES - O SÁBIO QUE DEVE SER ÚTIL A ÁFRICA

Volto hoje a este blogue, depois de muito tempo não escrever uma linha, para prestar homenagem a um Homem notável, o Presidente Pedro Pires. Publico nesta página uma biografia que me foi encomendada em Agosto de 2011 pelo Africa Cofidential, supostamente para ser publicada por alturas das eleições presidenciais em Cabo Verde, findo o último mandato de Pedro Pires.

A verdade é que o Africa Confidential, depois de várias promessas e outras tantas ausências de explicações não publicou o texto - até hoje.

Entretanto, aconteceu que Pedro Pires foi galardoado com o Prémio Mo Ibrahim, uma distinção pela boa governação de Cabo Verde, que ele desenvolveu, como primeiro-ministro entre 1975 e 1991 e como Presidente da República entre de 2001 a 2011.

" O Comité do Prémio ficou impressionado pela visão do Presidente Pedro Pires em transformar Cabo Verde num modelo de democracia, estabilidade e crescente prosperidade", considerou o presidente do júri, Salim Ahmed Salim.

Tenho a honra de me afirmar amigo deste homem notável e não posso deixar de me sentir orgulhoso por, finalmente, a comunidade internacional reconhecer os seus méritos excepcionais. Este reconhecimento a nível internacional deve tam bém ter enchido de orgulho os cabo-verdianos, mesmo aqueles que durante muito tempo o acusaram de coisas incríveis.

Pessoalmente acrescento a este contentamente o facto de ter produzido este texto muito tempo antes da atribuição do prémio e por constatar que as suas linhas gerais coincidem com as  que foram adoptadas pelo júri  do prémio Mo Ibrahim.
As fotografias que acompanham o texto , com excepção da primeira - retirada da Net - fazem parte do arquivo do Jornal "África"





PEDRO PIRES, UM AFRICANO PREOCUPADO

LIBERTOU A NAÇÃO

CONSTRUIU O ESTADO

CONSOLIDOU A DEMOCRACIA


Por: Leston Bandeira


Pedro Pires, cujo segundo e último mandato como presidente da República de Cabo Verde termina agora, anunciou em Agosto deste ano a intenção de iniciar de imediato a redacção das suas memórias . Citando o historiador Joseph Ki-Zerbo (1922-2006) , “enquanto os leões não tiverem os seus próprios historiadores, as histórias de caça continuarão a glorificar os caçadores”, o agora ex-presidente, em entrevista à Agência Lusa, explicou o seu respeito pela História e a necessidade de não haver apenas uma versão, permitindo, desse modo, aos historiadores uma informação que contemple todos os lados da intervenção histórica.
Este ano, na passagem do 36º aniversário da Independência do país, a cujas comemorações presidiu pela última vez, recordou “o valor da obra que realizámos de 5 de Julho de 1975 até aos dias de hoje. Este percurso de esperança, de perseverança e de autoconfiança deve continuar a inspirar-nos e a ser o suporte moral que nos assiste na concepção e na execução das pesadas e complexas tarefas que o futuro nos reserva”

Há uma tentativa de “ofuscar o gesto histórico” que foi o dos jovens africanos que fizeram a luta pela libertação da África Lusófona. “Se nós não tivessemos lutado, se Angola e Moçambique, especialmente, não tivessem resistido, a África do Sul seria o que é hoje? Nelson Mandela seria tão elogiado, tão cantado hoje, se nós não tivessemos lutado?” perguntou Pedro Pires, de quem se fica agora à espera de revelações importantes ácerca dos processos históricos em que participou desde a sua juventude. Para os africanos será uma oportunidade de aprendizagem com um homem considerado hoje um verdadeiro SÁBIO.


Ao Encontro de Cabral e da Luta


PEDRO de Verona Rodrigues PIRES nasceu a 29 de Abril de 1934, no Concelho de S. Filipe, Ilha do Fogo, Cabo Verde, numa família de proprietários. Assistiu ao eclodir das grandes fomes de Cabo Verde, na década de 40 do século XX, provocadas pelas prolongadas secas no Arquipélago e pela pouca ou nenhuma atenção que as autoridades coloniais portuguesas prestavam à então mais pobre colónia do império.


Pedro Pires terminou os estudos secundário no Liceu de Gil Eanes, na Cidade do Mindelo, Ilha de S. Vicente, e seguiu, em 1956, para Lisboa onde se matriculou na Faculdade de Ciências.

Tendo sido chamado a prestar o serviço militar obrigatório na Força Aérea Portuguesa, em 29 de Junho de 1961, juntou-se a um grupo de jovens nacionalistas africanos e fugiu do país. Este grupo foi detido em Espanha, mas pressões políticas exercidas pelos países que já naquela data apoiavam a luta anti-colonial, foram libertos e conseguiram chegar a Paris. Daí segue para o Ghana onde se encontra com Amilcar Cabral , em seguida vai para a Guiné-Conakry, sede do Secretariado Geral do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC). Com a fundação da Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP), em Marrocos, parte para aquela capital para representar o PAIGC junto do secretariado da organização.
De 1962 a 1965 trabalha no Senegal e em França em acções de mobilização de combatentes e, a partir deste último ano até 1968, integra o primeiro núcleo de combatentes cabo-verdianos a receber formação militar em Cuba e na ex-URSS, com o objectivo de iniciarem a luta armada em território cabo-verdiano.

Este projecto não chegou a ser concretizado por razões que, seguramente, Pedro Pires explicitará melhor do que tem sido habitual, nas suas memórias. Nesse texto, aguardado com grande expectativa, não  deixará de dar a sua versão da morte de Amilcar Cabral, ocorrida a 20 de Janeiro de 1973, ano em que Pires é escolhido para presidir à Comissão Nacional para Cabo Verde, como membro do Comité Executivo da Luta e do Concelho de Guerra.

Negociador hábil e primeiro chefe de Governo

Além destas funções políticas, no campo militar foi nomeado Comandante de Região Militar, qualidade que detinha em 1974, quando em Portugal ocorre o 25 de Abril, na sequência do qual o governo de Lisboa reconhece a Independência da Guiné Bissau, declarada unilateralmente em 24 de Setembro de 1973, ao mesmo tempo que aceita negociar a concessão da Independência a Cabo Verde. Estas negociações são chefiadas, pela parte cabo-verdiana, por Pedro Pires, que consegue um acordo, assinado em Londres a 19 Dezembro de 1974, segundo o qual a Independência  de Cabo Verde teria lugar a 5 de Julho de 1975. Um mês antes é eleito deputado e escolhido para chefiar o Primeiro Governo Independente de Cabo Verde.



Durante mais de 15 anos (Julho de 1975 a Dezembro de 1991) Pedro Pires desenvolveu um plano de governação moderado com o fito de “garantir futuras parcerias no âmbito internacional”. Para que tal pensamento ficasse claro entre os membros dirigentes do PAIGC, dois dias antes do 5 de Julho de 1975 reuniu-se com a direcção do partido para defender que “este não podia ser um partido marxista-leninista”.

Todavia, as dificuldades para transformar o sonho de um país independente numa realidade que concretizasse as necessidades de um Povo no interior do qual ainda se morria de fome, eram muito maiores do que as imaginadas pelos homens que assumiram o peso de governar um país “impossível”, nos termos do relatório dos técnicos do Banco Mundial que visitaram Cabo Verde pela primeira vez em 1975/76.

Pires não aceitou a sentença do Banco Mundial com cuja delegação debateu calorosa e habilidosamente as conclusões, acabando por sugerir um relatório diferente: “digam pelo menos que há alguma possibilidade de reabilitação deste país”.

Com esta meia sentença de morte, Pedro Pires lançou o seu governo em direcção à cooperação internacional, aproveitando o grande prestígio grangeado pelo PAIGC durante a guerra anti-colonial na Guiné Bissau,  junto das Nações Unidas e de países como a Holanda e a Suécia. Foram “as relações internacionais do PAIGC que permitem a afirmação de Cabo Verde como país independente” e, quando os seus ministros chegavam das suas viagens ao estrangeiro e se queixavam de que ninguém os conhecia, Pedro Pires explicava as razões e vaticinava: “um dia nós seremos um exemplo”.










Ruptura Com Bissau – PAICV

Entretanto, os dirigentes do PAIGC estavam divididos pela governação de dois países, a Guiné Bissau e Cabo Verde e, quando, em 14 de Novembro de 1980, Nino Vieira, então Comissário Principal do governo de Bissau deu um golpe de estado contra o primeiro presidente, Luís Cabral, irmão de Amílcar, os cabo-verdianos tiveram que abandonar a Guiné – muitos deles fugindo mesmo a uma perseguição racista que resultou do golpe de estado.

Na sequência destes acontecimentos, o braço cabo-verdiano do PAIGC fundou o PAICV, uma ruptura considerada pelo próprio Pedro Pires, em Julho de 2005 como uma decisão acertada, porque também deu “satisfação a alguns cabo-verdianos que não viam com bons olhos a unidade com Bissau sob o lema um partido dois estados”.

Foi, de resto, “ a partir desse momento que se começou a pensar no desenvolvimento de Cabo Verde através da liberalização da sua economia e abertura ao Mundo” – acrescentou Pires na mesma oportunidade (comemoração dos trinta anos de Independência).

Foi também a partir desta ruptura que os dirigentes cabo-verdianos começaram verdadeiramente a mobilizar o Povo das Ilhas para a recuperação do seu próprio ambiente. O programa de reflorestação atingiu mais de vinte milhões de árvores nos primeiros dez anos de Independência e as obras de engenharia agrícola levaram à construção de quilómetros e quilómetros de sucalcos, destinados a segurar as águas das chuvas e impedir, dessa maneira, que as terras aráveis fossem para o mar.

Neste período, apesar de uma seca prolongada, foi possível multiplicar por mais de três as áreas agrícolas de regadio.

Estes projectos foram interrompidos durante os dois mandatos do MpD (Movimento para a Democracia), o que o PAICV de Pedro Pires viu com  enorme desagrado, já que o país abandonbou o seu grande projecto de “ser verde”, como queria Cabral.

Não às Alianças, Sim à Diplomacia


Esta abertura ao Mundo, todavia, foi sendo desenvolvida com algumas condições. Por exemplo, o governo de Pedro Pires não aceitava a distribuição gratuita da ajuda alimentar internacional pelas populações. Os géneros eram introduzidos no circuito comercial e o produto da sua venda constituia-se num “Fundo de Reconstrução Nacional” que pagava as obras públicas estruturantes da vida do país, tal como estradas por todas as Ilhas, utilizando mão de obra intensiva. Cada “frente de trabalho” devia ter emprego para pelo menos um membro de cada família da região onde se realizava a obra. E assim, alem de se reconstruir o país, evitava-se a criação de mais um povo assistido e dependente.

Esta política foi concretizada e avalizada, inclusivé pelos USA, que faziam muita questão na gratutidade da ajuda alimentar, durante os trabalhos da Primeira Mesa Redonda dos Parceiros do Desenvolvimento de Cabo Verde, designação que substituiu a consagrada expressão “doadores”.

Esta reunião, realizada de 21 a 23 de Junho de 1982, contou com a presença de representantes de 22 países, 23 organizações internacionais e oito organizações não governamentais (ONG).

Pedro Pires aproveitou a oportunidade para defender a necessidade do apoio ao desenvolvimento dos países do Terceiro Mundo e, “particularmente daqueles que tinham alcançado recentemente a Independência”. Considerou, na altura, tal apoio como  “condição primordial ao exercício da soberania”.

No discurso de abertura, salientou que a via de desenvolvimento escolhida pelo seu país implicava igualmente “o respeito pelas tradições e pelas aspirações do povo cabo-verdiano, a favor da independência, da dignidade, da paz e da justiça social”.

É por isso – enfatizou - que “a despeito de todas as dificuldades que Cabo Verde possa encontrar para concretizar as suas metas de desenvolvimento económico, o governo manterá sem falta a sua recusa em implicar Cabo Verde nos antagonismos militares que dividem o Mundo”.

Na primeira grande reunião de carácter internacional, o chefe do governo da Praia aproveitava para se definir como um país neutro acerca das disputas Leste/Oeste e nessa linha, embora criticasse o regime do apartheid sul-africano, nunca impediu que os aviões da South African Airways escalassem a Ilha do Sal, onde, de resto, as tripulações faziam os descansos e respectivas rendições. A Pousada “Morabeza” era o hotel da SAA.



Abertura do Regime, a Caminho da Democracia




Enquanto, no plano externo Pedro Pires se distanciava de alianças manietadoras, no plano interno faltava-lhe cumprir a sua intenção de abrir a política à participação popular e foi definindo o partido por forma a contrariar os militantes que o viam  não como um partido marxista-leninista, mas lá próximo. Será curioso ler as memórias de Pedro Pires a este propósito, já que a luta interna se acicatou com um seu discurso, na abertura do segundo encontro dos ministro da Justiça de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e S. Tomé e Princípe, em Novembro de 1983 e em que preveniu que “o exercício absoluto do poder ameaça o futuro dos regimes”.

Perante uma assembleia mais ou menos surpreendida, Pires disse que “ a História recente de África tem-nos mostrado que o exercício absoluto do poder, traduzido na imposição de modelos não alicerçados no consenso social não garantem nem a paz social, nem a sobrevivência dos regimes”. Para o então primeiro-ministro o Direito era “um motor de transformação social”.

“A África dos golpes de estado, das permanentes convulsões sociais, não terá como fraqueza primeira a inexistência de estados institucionalizados, de um poder realmente enraizado no povo e de um sistema de normas e garantias assumidas conscientemente pela nação?”- perguntou.
Ao mesmo tempo que, claramente, indicava o caminho da abertura política como o próximo passo, Pedro Pires levou a diplomacia do seu pequeno país ao “atrevimento” de organizar encontros entre Sul-africanos e Angolanos com o objectivo de promover a paz na África Austral. A estes interlocutores juntaram-se, depois, americanos e representantes da SWAPO.

Foi em Cabo Verde, primeiro na Ilha do Sal e posteriormente em S. Vicente (Mindelo), com a sua orientação “discreta” – segundo fontes diplomáticas da época (1982/83) – que se construiram os primeiros passos para a solução da guerra que envolvia Angola a República da África do Sul e Cuba.

Cabo Verde desempenhou este papel, primeiro em segredo total e, posteriormente, com a discrição possível, admitindo, pela primeira vez, em Janeiro de 1983 “ a disposição de tudo fazer para propiciar condições ao desenvolvimento do diálogo que resolva conflitos abertos no Continente Africano”.

Esta disposição foi mal entendida mesmo por Cuba, cujo vice-presidente, Juan de Almeida Bosque, esteve na Cidade da Praia pressionando o governo de Pedro Pires, logo a seguir ao primeiro encontro entre angolanos e americanos, no sentido de desistir da iniciativa.

Ainda em 1983, durante um período de férias em Cuba, durante o qual se encontrou muitas vezes, informalmente, com Fidel de Castro, Pires disse ao líder cubano que “o sistema de partido único não fazia sentido em África”.

Os Estados Unidos, por sua vez, exerceram pressão sobre a República da África do Sul com a mesma intenção: recusa de negociações directas com Angola.

O Mundo, todavia, não deixou de reconhecer o papel de Cabo Verde, que daí para a frente, ficou conhecido como um “pequeno país com uma grande diplomacia”, ainda que tal ideia não agradasse aos países considerados como “grandes potências internacionais”.


Em simultâneo com esta movimentação diplomática e muitos anos antes da divulgação da Perestroika na URSS, era visível, por parte de Pedro Pires, a intenção de abrir o regime com o objectivo de terminar com o partido único. O discurso de Pedro Pires naquele Novembro de 1983 deu origem a um movimento de discussões interessantes acerca dos direitos humanos. Numa dessas discussões, transmitida em directo pela Rádio participou Carlos Veiga, que mais tarde viria a fundar o MpD e, por essa via, chegar ao poder em 1991.


Antes destes sinais de abertura, a oposição cabo-verdiana, primeiro ao PAIGC e depois ao PAICV passava sobretudo pela Igreja Católica, que patrocinava um jornal, o “Terra Nova”, cuja publicação era tolerada pelo regime, e pelos proprietários rurais absentistas, que pretendiam continuar com o sistema de rendeiros. Estes organizaram a 31 de Agosto de 1981, em Santo Antão, um protesto de que se falou durante muito tempo, mas que acabou com a condenação de um individuo por um Tribunal Militar, outra razão para que grupos de intelectuais, nomeadamente juristas, manifestassem o seu desacordo.


Primeiras Eleições Livres – a Derrota


O descontentamento dizia sobretudo respeito ao facto de a comunicação social ser tutelada pelo Estado, que, por sua vez, recebia indicações do partido. Pedro Pires fez algumas tentativas para abrir o jornal “Voz di Povo” à sociedade, bem como a Rádio oficial, mas a estrutura criada era insusceptível de mudanças. Só a ruptura seria eficaz.

A oposição, que entretanto se foi organizando, passou a recorrer a uma espécie de comunicação social clandestina, produzindo panfletos anónimos em que caluniava os ministros, os principais dirigentes políticos e a população começou a impacientar-se e a desejar a tal abertura política que só acontece em Fevereiro de 1990, quando, no IV Congresso do PAICV, Pedro Pires, ao mesmo tempo que é eleito à liderança, substituindo Aristides Pereira, anuncia a abertura do país ao pluralismo político.

Em Janeiro de 1991 realizam-se as primeiras eleições livres em Cabo Verde e o PAICV é derrotado pelo MpD.

 O então primeiro-ministro, a quem os panfletos anónimos acusavam da corrupção mais ignomiosa, tem que ir viver para casa da mãe – não tinha casa própria, nem carro – .Os seus conterrâneos do Fogo, emigrados nos USA, ofereceram-lhe um.

 Pedro Pires é eleito deputado pelo círculo eleitoral da Praia e, ainda nesse ano, no V Congresso do PAICV volta a ser eleito Secretário Geral, cargo que perde para José Maria Neves, actual Primeiro-minsitro, em 1993. Todavia em Setembro de 1997 volta à liderança do partido e leva a peito a sua recuperação. Volta a viajar pela Europa; passa por Lisboa, sózinho, e hospeda-se em hotéis modestos; mobiliza os apoios necessários para que o PAICV ganhe as eleições autárquicas em 2000.



O Regresso Vitorioso

Nesse ano decide afastar-se da vida partidária activa e em Setembro anuncia a intenção de se candidatar à Presidência da República nas eleições de Fevereiro de 2001, onde vence Carlos Veiga, na segunda volta, com uma diferença de apenas 12 votos. O partido do seu adversário já havia perdido a maioria parlamentar e, por conseguinte, o poder, nas eleições legislativas de Janeiro desse mesmo ano.

Pedro Pires ganha as eleições e tem um governo do PAICV, chefiado pelo jovem que o havia derrotado na disputa partidária em 1993, José Maria Neves. As diferenças entre os dois são, todavia, apenas geracionais. José Maria é um produto do PAICV, enquanto construtor da sociedade cabo-verdiana, que o Banco Mundial considerou em 1975/76 como um “país impossível”. José Maria Neves foi adjunto de Renato Cardoso, o homem que iniciou a reestruturação da administração pública de Cabo Verde para a transformar num motor de progresso.

As relações entre os dois homens não terão sido as mais amistosas, mas, do ponto de vista institucional, José Maria teve sempre o apoio de Pedro Pires. Por exemplo, quando em Março de 2002 o Presidente da República promulgou o Orçamento Geral do Estado (OGE) contra toda a oposição parlamentar que argumentava  com a necessidade de uma maioria qualificada para a sua aprovação na Assembleia Nacional (AN). Ora o PAICV tinha apenas uma maioria simples. Pedro Pires não hesitou, “mesmo correndo o risco de ser mal compreendido”.

Para ele, o essencial era que o Governo pudesse cumprir os seus compromissos e, entretanto, defendia alterações na Constituição que resolvessem, no futuro, aquele paradoxo constitucional.

Apesar desta colaboração, que irritou a oposição, já que perdeu uma oportunidade de colocar o Governo contra o Presidente da República, Pedro Pires não se demitiu das suas funções e, no mesmo mês, em que promulgou o OGE (Março de 2002) fez uma análise às Forças Armadas e defendeu a sua reforma, “tendo em conta os novos conteúdos que conceitos como a defesa e segurança adquiriram nos tempos modernos”.

Nesse mesmo mês dá posse ao governo remodelado elogiando a actuação do anterior, por ter sabido “conter a tentação da busca da popularidade fácil, enveredando por medidas nem sempre populares, mas que se impunham”.

Outro Sonho : a Nação Global


Ainda nesse ano (Abril) durante a realização do III Congresso de Quadros Cabo-verdianos na Diáspora, não deixou de teorizar sobre a natureza da condição da nacionalidade cabo-verdiana: “ a nação cabo-verdiana tem de encarar de frente a sua natureza «disporizada» e assumir a dispersão pelos quatro cantos do Mundo como a sua verdadeira arquitectura. Nesse mesmo dia propôs o levantamento de um monumento ao “emigrante anónimo” e chamou a atenção dos quadros presentes no Congresso para a necessidade de não perder para a caboverdianidade os membros da segunda geração de emigrantes.

A 5 de Julho desse mesmo ano concretiza de forma objectiva a sua preocupação com a diáspora e vai comemorar a data da Independência Nacional aos Estados Unidos, com um programa especialmente dedicado às comunidades cabo-verdianas, embora – como sempre fez – não deixasse de aproveitar a oportunidade para se encontrar com individualidades norte-americanas, sobretudo ligadas aos apoios económicos a países como Cabo Verde.

Notoriamente houve uma estratégia concertada entre o Governo e a Presidência da República, já que José Maria Neves passou o 5 de Julho em Lisboa, junto das comunidades cabo-verdianas emigradas em Portugal.


À partida para os Estados Unidos, Pedro Pires disse aos jornalistas que ia “levar uma mensagem de caboverdianidade e homenagear e incentivar aqueles que sempre contribuiram para o desenvolvimento do país e para o bem estar de milhares dos seus familiares e amigos”. É a ideia na “Nação Glogal” que vai fazendo o seu caminho.


E, por isso, não pode deixar de cuidar dos interesses do Estado- Arquipélago e em Junho de 2002 discute com o presidente da Mauritânia, Maaouia Ould Sid Ahmed Taya, as fronteiras marítimas comuns. Na mesma altura assina um acordo aéreo que permite “às companhias de ambos os países voarem nos respectivos espaços aéreos sem muitas restrições e, além disso, transportar passageiros e carga para o espaço de uma e de outra e daí para países terceiros”.


Ainda em Junho, durante as comemorações do “Dia do Ambiente” volta a lembrar Amílcar Cabral, “agrónomo de profisssão” e que sempre foi guiado pela “utopia de restaurar ecologicamente o Arquipélago e de o fazer verdadeiramente verde, honrando-lhe o nome”.


Ora dentro, ora fora, Pedro Pires não deixa de acompanhar o Mundo e no ano de 2002, no dia de África saúda a restauração da paz em Angola, para a qual tinha contribuído na década de oitenta do sec. XX. Nessa saudação não se esquece de recomendar que Angola “tem necessidade de um período de transição para a resolução dos problemas humanitários e a criação de um clima de confiana entre os vários actores políticos”.


Antes, em Abril, durante a sua primeira visita como chefe de estado a Portugal, defende, em Lisboa a introdução de curriculos escolares  sobre a cultura e história dos estados membros da CPLP, “para que a CPLP ande mais depressa”.


Um Africano Optimista mas Preocupado



O seu olhar não se fica, contudo, apenas pelos seus parceiros de língua e em Agosto de 2003 acha “prematura” a realização de eleições na Libéria “já em Outubro”, explicando que os liberianos precisam, “de um período de transição de pelo menos de dois anos”.

O exemplo da Libéria e outros dão-lhe força para no dia da comemoração do 28º aniversário da Independência do seu país afirmar que “em 28 anos mudámos completamente a face do nosso país” e assinala a “forma cívica” como se fizeram “as transições políticas em 1991 e em 2001.

Antes, em S. Tomé, já tinha chamado a atenção dos seus “irmãos” para o facto de “a estabilidade governativa e coesão social, bem como a governação capaz, constituem variáveis cruciais da equação da consolidação do regime democrático”.


Todavia, não se ficava pelos conselhos aos outros. Na sua terra, a 1 de Março desse terceiro ano como presidente, convocou extraordinariamente a Assembleia Nacional para apelar “à contenção dos principais partidos políticos”, envolvidos em acusações mútuas de comportamentos fraudulentos em eleições passadas, na expectativa das autárquicas que se avizinhavam.

Em Dezembro, na saudção de fim de ano, lembra que “ a consolidação do regime democrático” implica “ a tradição de que as instituições realizem os seus fins e cumpram integralmente os mandatos para os quais foram eleitos”.

“A virtude dos cidadãos é o fundamento de uma boa Republica” – acrescentou - e nesta altura alguém se lembrou das suas preocupações de Outubro de 2002 acerca da qualidade da democracia: “tem sido mais de partidos e menos de cidadãos”.

Diplomacia para o Futuro


Em 2004 dois acontecimentos internacionais marcam a presidência de Pedro Pires: pela primeira vez, depois de muitos anos de recusas, aceita participar na Cimeira da Organização da Francofonia (OIF) em Ouagadougou, capital do Burkina Faso.


Em Abril faz uma viagem relâmpago à Guiné Bissau para se inteirar da situação e no regresso faz a afirmação que há muito quereria proferir: ”não sou só amigo da Guiné Bissau, sinto-me guineense também. A Guiné é a minha segunda pátria”.
Em Janeiro de 2005, Pedro Pires volta a insistir na “garantia de uma maior eficiência das instituições do Estado de Direito, dotá-las de normas que garantam estabilidade, melhor governabilidade e removam factores geradores de bloqueios”.


Em Fevereiro defende a participação do Zimbabué na Cimeira União Europeia-África, a realizar em Lisboa. ”Por princípio” é contra o isolamento.

O Pedro Pires diplomata reaparece em força em Abril deste ano e, em Washington volta a discutir cooperação militar com os USA e a NATO, ao mesmo tempo que joga para a mesa das negociações a ajuda norte-americana através da “Conta do Depósito Milénio”, ao abrigo da qual Cabo Verde passa de “PMA” (País Menos Avançado) para País de Desenvolvimento Médio (PDM), o que determina mais dificuldades na obtenção de ajuda externa.

Nessa mesma altura – Abril de 2005 – discute o Exercício Naval da NATO, marcado para 2006 nas águas territoriais de Cabo Verde e o treino de forças especiais cabo-verdianas por unidades de fuzileiros navais dos USA.

Em Julho, no habitual discurso de comemoração da Independência – os 30 anos – Pedro Pires condenou “a negligência face ao trabalho e a indiferença face ao bem público”, mas não deixa de apelar ao orgulho cabo-verdiano: “Cabo Verde ganhou a Independência e afirmou-se como estado credível” (estaria a pensar no primeiro relatório do Banco Mundial…).

Estado de Direito, Um Apelo Permanente



Entretanto, o desenvolvimento do país em sectores importantes começa a levantar problemas novos e o Presidente Pires, durante uma visita à Universidade de Coimbra (Portugal), em Setembro, onde vai solicitar ajuda para a instalação da Universidade Pública de Cabo Verde, é confrontado com uma série de reivindicações de estudantes cabo-verdianos ligadas às dificuldades de sobrevivência sem apoios e à incerteza de trabalho no país aonde desejam regressar.

“É muito mais fácil formar pessoas do que criar emprego”, desabafa, acrescentando que “o Estado Cabo-verdiano tem reforçado a aposta na educação a uma velocidade que não é acompanhada pelo desenvolvimento económico”.

Recandidatura e Nova Vitória


Já na Cidade da Praia, na abertura da X Conferência dos Ministros da Justiça da Comunidade de Países de Língua Ofial Portuguesa (CPLP), diz que “os tribunais independentes são o aliado moral dos Estados de Direito”. Esta é a sua última intervenção pública antes de anunciar a sua recandidatura ao cargo de Presidente da República. Em Dezembro de 2005 faz o anúncio, afirmando que o seu nome “projecta uma imagem de honestidade” para um projecto de “credibilidade e desenvolvimento”, iniciado em 2001. Evoca igualmente a sua condição de “combatente anti-colonial” , a sua experiência como primeiro–ministro durante 16 anos e o seu contributo durante os últimos cinco anos como Presidente da República. Classifica-se a si próprio como “um homem de bom senso e construtor de consensos”.


A sua recandidatura, de novo contra Carlos Veiga, sai vitoriosa, desta vez por mais 3.500 votos e a sua missão de presidente defensor do estado de direito, da necessidade de África se entender sem necessitar de terceiros, bem como a construção de uma noção de caboverdianidade que abarque o Mundo tem mais cinco anos à frente. Esquece as habituais acusações de fraudes eleitorais e em Maio de 2006 está presente na IV Conferência de Tóquio sobre o Desenvolvimento em África.

 Para ele, esta preocupação do Mundo com o desenvolvimento africano significa que África “está a ganhar visibilidade e interesse no plano internacional”, um continente “até há pouco tempo condenado”.

Todavia, não perde de vista outras realidades, outros possíveis aliados e no mês anterior recebe o Presidente do Governo Regional dos Açores, Carlos César, que visitou Cabo Verde acompanhado de uma comitiva de empresários e a quem diz que é necessário “desenvolver as relações com os Açores para uma vertente económica”.


Movimentos Migratórios Ilegais, Outra Preocupação


Ainda em Abril volta-se, de novo para a diáspora, cujos quadros se reunem no seu IV Congresso. Mais uma vez apela ao orgulho da caboverdianidade, explicando que o PIB per capita, em três anos multiplicou por sete, passando de 200 dólares para cerca de 1.500. Todavia, para ele, a “cultura é o primeiro factor de união dos cabo-verdianos espalhados pelo Mundo, a manutenção do cimento unificador dos cabo-verdianos” e exprime o seu “grande apreço pela forma empenhada como as comunidades cabo-verdianas exercem o seu direito de cidadania nas eleições, um dos actos de maior significado na vida de um país”.

Em Junho recusa participar na reunião Cimeira da Comunidade Económica de Estados da África Ocidental (CEDEAO) porque as propostas de Cabo Verde para incluir na agenda a discussão da emigração ilegal não foi considerada.

Mas, em Julho, na VII Cimeira da União Africana (UA), realizada em Banjul, na Gâmbia, é criado um Centro de Estudos e Pesquisa sobre Migrações em África, o que, segundo Pedro Pires permitirá “um conhecimento mais profundo do fenómeno”, que preocupa particularmente Cabo Verde, já que o seu território, mercê das suas extensas fronteiras marítimas, funciona como plataforma para os movimentos migratórios clandestinos.


O mesmo tema é abordado com o Presidente da Região Autónoma das Canárias, Adam Martin, em visita à Cidade da Praia, em Setembro. Ambos reconhecem ser “necessária uma gestão dos fluxos migratórios e não permitir que se façam de forma caótica, descontrolada. Devemos discutir, negociar e estabelecer as regras”, concluiram.

Testamento Político


Ainda neste mesmo mês, Pedro Pires como que faz um testamento político e diz que “gostaria de deixar no espírito das pessoas uma vontade convergente de um país que ultrapasse as suas fronteiras e criar um futuro comum com todos os cabo-verdianos que se encontram espalhados pelo Mundo – uma Nação Global “. Faz esta declaração em Lisboa, quando perguntado sobre o que gostaria de deixar ao seu país.


No ano seguinte – 2007 - , em Maio visita a China, “um parceiro importante de Cabo Verde e de toda a região africana”, reune-se com o primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao e visita, em Xangai, o Banco Africano de Desenvolvimento (BAD).


Ao mesmo tempo que vai tentando abrir mais caminhos para o desenvolvimento de Cabo Verde não deixa de olhar para o gande espaço africano. A 25 de Maio, no dia de África, que assinala a fundação, em Adis-Abeba, em 1963, da OUA (Organização de Unidade Africana) Pedro Pires regozija-se com o “crescimento do investimento directo estrangeiro” em África, que “cresceu 200 por cento entre 2000 e 2005. Além disso era possível nesse ano afirmar que o peso da dívida externa africana tinha diminuido: “A Nigéria, principal devedor africano, pagou toda a sua dívida”.

O crescimento “das exportações africanas em 25 por cento, em média, nos últimos três anos”, foi outra razão de contentamento para Pedro Pires.

Em Novembro, Pedro Pires defende na 34ª Conferência da FAO a produção de biocombustíveis, “desde que não concorram com a produção agrícola para a alimentação humana, não ponha em causa a segurança alimentar para todos, sem contribuir para a destruição das florestas primárias e se faça com as devidas precauções sociais e ambientais”.


Angola e França, Defesa da Emigração Cabo-verdiana


Em 2008 faz duas visitas importantes: a França, onde se encontra com Sarkozy, que salienta as “relações privilegiadas entre os dois países” e sugere a divulgação da língua francesa nas escola cabo-verdianas. Quanto ao “avanço das relações de Cabo Verde com a Europa, falou da necessidade de se “criarem condições para que haja uma emigração cabo-verdiana legal”.

Em  Dezembro, visita Angola, acompanhado de uma grande comitiva de empresários.. Em Luanda considerou que os cabo-verdianos a viver em Angola “são angolanos de ascendência cabo-verdiana” e assina um primeiro acordo de Segurança Social com as autoridades de Luanda, que beneficia os trabalhadores cabo-verdianos a trabalhar em Angola.

No plano externo junta-se a Angola e defende a “necessidade de reformas” nas organizações de que ambos os países fazem parte: CPLP, ONU e UA


Em plena crise, dentro do país, vira-se para a questão energética e defende a ideia de que o Sol e o Vento devem ser utilizados na produção de energia para que o país “fuja à dependência do petróleo”, ao mesmo tempo que, perante a crise que assola o Mundo considera que “não são possíveis soluções improvisadas, individualistas ou de um grupo de pesssoas ou interesses” e aponta as “revoltas contra a vida cara” e os “prenúncios de fome” como avisos. “Não podemos correr o risco de ver perder-se o que foi conseguido ao longo de três décadas”- afirma Pedro Pires aquando da visita à maior central do Mundo de energia fotovoltáica, na Amareja, Alentejo, Portugal.

Reforma da ONU e Cooperação Inter-Africana


Em Setembro, na Assembleia Geral da ONU, tinha exigido a “modernização e aumento da produção e produtividade agrícolas” com o “envolvimento dos países ricos e tecnologicamente avançados” e requer o “apoio dos organismos internacionais”. Sugere ainda formas de “compensação financeira” aos países “mais lesados” com a subida do preço dos combustíveis. “estou a pensar no meu país e no Continente Africano”, esclareceu.

As suas procupações com África tinham voltado a manifestar-se em Maio deste mesmo ano, sobretudo com a Somália, “um país que há vinte anos não tem Estado” e que, por isso “é o caso que merece as maiores preocupações no Continente”, que, segundo disse, “está melhor do que muitos pensam”.

É ainda a preocupção da defesa de uma África capaz de se entender que o leva a defender em Moçambique, durante uma visita de estado que ali realizou em Novembro de 2010, “um aprofundamento da relação Sul-Sul” e uma “cooperação inter-africana reforçada. É concerteza a mesma preocupação que o leva a insistir na necessidade de reformas das Nações Unidas e do seu Conselho de Segurança, “para que todos os países se sintam representados nesse órgão”.

Principais distinções recebidas por Pedro Pires:

De Cabo Verde – Ordem Amílcar Cabral

Da Guiné Bissau – Medalha Amílcar Cabral

Do Senegal – Ordem Nacional do Leão

De Portugal – Ordem Infante D. Henrique

Do Reino de Espanha – Colar da Ordem das Ilhas Canárias

Da Gambia – Rank of Grand Commander of the National Order

Da República de Timor Leste -  Grande Colar da Ordem de Timor-Leste.

O agora ex-presidente de Cabo Verde também foi distinguido com os seguintes títulos académicos:

DOUTOR HONORIS CAUSA pelas Universidades do Ceará, no Brasil, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa e Universidade Lusófona.

domingo, novembro 14, 2010

14 de Novembro na Guiné Bissau

A 14 de Novembro de 1980, há trinta anos, pela madrugada, uma força militar saiu à rua, os seus chefes meteram Nino Vieira, que era o Primeiro Ministro do Governo de Luís Cabral, num carro blindado e foram ao palácio presidencial dar um golpe de estado; mataram José (?) Buscardini, o chefe da segurança, prenderam Luís Cabral e ditaram uma nova era para o país onde se desenvolveu uma luta de libertação vitoriosa.

Libertaram alguns presos políticos, entre os quais Rafael Barbosa, que foi imediatamente à Rádio Nacional e, apresentado como um " dos melhores filhos da nossa terra", fez um discurso violento contra os soviéticos, mas, sobretudo, contra os cabo-verdianos, que, na verdade, tinham dirigido a luta de libertação e, na prática, governavam o país.

Luis Cabral, irmão de Amílcar, era cabo-verdiano, o secretário geral do PAIGC, que controlava a Guiné Bissau e Cabo Verde, era cabo-verdiano, o mesmo acontecia ao secretário geral-adjunto, Pedro Pires.

Era aqui que estava a verdadeira questão do golpe, a mesma que tinha estado por detrás da morte de Amílcar Cabral, a 20 de Janeiro de 1973.

Era, afinal, uma razão previsível para quem estava suficientemente afastado do processo.

Era também a razão que justifica o facto de a Guiné Bissau ser hoje um estado falhado.

Amílcar foi, de facto, um sonhador de um sonho impossível. Basta constatar a diferença entre os dois estados que o "seu" partido governava há trinta anos

sábado, outubro 16, 2010

A" Morte" de um Blogue

Hoje, um leitor deste blogue deixou um comentário sob a forma de pergunta: "este blogue morreu?". Confesso que a pergunta me perturbou embora entenda as suas razões: de facto, nem eu nem os outros dois autores deste artefacto temos aparecido muito. Nos últimos tempos, diria mesmo que é raro. O tempo não é muito para lhe dedicar algumas horas livres e, para além disso, para um jornalista há sempre a questão do "feed-back" e ele não muito entusiasmante. Mesmo assim , aqui fica a afrimação de que o "Africandar" não está morto e de que eu, pelo menos, aqui voltarei mais vezes. Nem que seja para dar a conhecer textos que publiquei noutras alturas e noutros órgfãos, nomeadamente no semanário "África", tal como que se segue, escrito ainda nos anos oitenta, mas que, embora com algumas diferenças ainda se pode considerar actual.


Pensar África em África


O papel das superpotências em todo o processo de Independência em África ainda não foi completamente analisado e, certamente, só muito mais tarde o será de forma exaustiva e sistematizada, uma vez que tal tarefa competirá aos historiadores africanos. Ora, a verdade é que, actualmente, tal iniciativa parece estar longe das suas preocupações, sobretudo porque o factor ideológico ainda está demasiado vivo.

Não é difícil, contudo, perspectivar já um novo caminho para África, cada vez mais interessada nos seus próprios problemas e no modo como descobrir uma maneira africana para os resolver.

Assiste-se, presentemente, a uma certa euforia quanto à evolução política de África,vaticinando-se a concretização de um objectivo: a institucionalização de democracias representativas na grande maioria dos Estados africanos.

Se atentarmos mais detalhadamente nas reacções africanas a esta perspectiva poderemos facilmente constatar que a euforia é de fora para dentro. Não há grande entusiasmo no interior de África quanto a esta evolução.Também não é indiferença. Há, isso sim, um olhar mais atento sobre a realidade sócio-política do Continente.

Cada vez aparecem mais vozes a clamar pela institucionalização de regimes políticos que traduzam as preocupações mais profundas das populações e que correspondam às suas formas de organização social, nunca destruídas pela colonização europeia.

A prática democrática da gestão dos negócios dos vários grupos africanos é de há séculos, mas não assenta nos mesmos princípios que orientam as formações políticas europeias. È essa a verdade que está a vir ao de cima no actual debate sobre a democracia. Um debate, que, mais uma vez, está a ser conduzido de fora para dentro.

Um debate que, sobretudo, está a ser pressionado de fora para dentro. De facto, o processo de Independência de África criou, à partida e de maneira quase indestrutível, dependências inultrapassáveis, gerou alianças políticas manietadoras e aprisionou a imaginação dos intelectuais africanos, submetidos à pressão de análises e padrões industrializados e, por isso mesmo, incapacitados de analisar as realidades dos seus povos.

Esta circunstância ampliou as análises rácicas, à sombra de falsos conceitos de igualdade, delimitou campos de actuação política ee conómica, marginalizou, numa palavra, a verdadeira África.

Como consequênica imediata desta influência das superpotências no processo de Independência de África, temos todo um continente a respirar por um pulmão intelectual artificial.

Com a perspectiva de este vir ser desligado – o que está a acontecer agora – verifica-se o atrofiamento do pulmão natural e o resultado é um pouco o pânico, a desorientação, a procura de caminhos às apalpadelas. O Continente está, de certo modo, a ser telecomandado, com a aparência de estar a executar movimentos próprios.

Um dos exemplos mais flagrantes desta situação diz respeito ao ensino, à preparação de quadros, até agora dependente, em grande parte, das bolsas de estudo fornecidas pelo estrangeiro.

Estas bolsas serviram para formar milhares de quadros africanos à luz de princípios e de uma realidade perfeitamente desajustados dos enquadramentos profissionais dos educandos logo após a conclusão dos seus cursos, que, em última analise, serviam apenas de suporte a reivindicações de estatuto social e consequente aumento dos aparelhos administrativos dos Estados, transformados, na maior parte dos casos, em olimpos de reconhecimento para os militantes mais fiéis.

É evidente que o desajustamento é agora mais do que visível e a verificação de que, pelo menos uma geração de quadros está praticamente queimada, conduz a uma maior perturbação, para além de colocar problemas graves ao nível da formação das gerações seguintes.

Como consequência, em África procura-se uma alternativa, que passa pelos esforços de muitos dos Estados em criarem os seus próprios sistemas de formação, que, naturalmente conduzirá a definições e escolhas que leve a Juventude Africana a aprender ao mesmo tempo o saber e a cultura universais e a realidade das suas terras.

A concretizar-se, este objectivo ajudará a que os africanos se reencontrem e possam, no futuro, juntar às actuais concepções de vida, uma outra, a africana, sem que ela signifique xenofobia, racismo, à mistura com o culto dos valores estrangeiros.



quinta-feira, setembro 02, 2010

As Organizações Internacionais

Hoje apareceram-me duas jovens voluntárias da UNICEF a convidarem-me para aderir à campanha "AMIGO DA UNICEF". Simpáticas, convictas, ouviram com alguma surpresa a ideia que eu tenho das organizações internacionais, a começar pela ONU: que os dinheiros angariados desta e doutras maneiras vão, na sua grande parte, para pagar altos salários a funcionários da ONU, da UNICEF, da FAO, Do Alto Comissariado para os Refugiados e toda a sorte de outras pequenas e grandes organizações.

Expliquei-lhes que, por exemplo, o que está a acontecer em Moçambique e que, seguramente, virá acontecer noutras latitudes, também é responsabilidade de todas estas organizações internacionais, completamente desligadas das realidades que dizem querer proteger.

Estas organizações exploram de forma miserável a boa vontade dos jovens voluntários, muitos dos quais têm que pagar as suas próprias passagens para viajar para os países onde vão prestar todos os serviços que os "funcionários" efectivos não fazem, que têm de pagara a sua própria alimentação, etc. , etc.

Todavia, para premiar o esforço e a boa vontade destas duas jovens que, em vez de estarem encostadas numa esplanada qualquer a fumar e a beber, dedicam o seu tempo livre a uma causa que entendem justa, resolvi aderir à causa. A partir de hoje sou, portanto, "AMIGO DA UNICEF". Era bom que as notícias começassem a dizer alguma coisa diferente sobre a actuação oficial e oficiosa dos agentes responsáveis por esta orgenização.

Vou acompanhar com mais interesse e também com maior sentido crítico. Afinal, o Mundo está como está porque todos nós cruzamos os braços perante os engravatados poderosos,  que passam pelos miseráveis e pela miséria de nariz tapado e olhos baços. 

terça-feira, agosto 17, 2010

Notícia, a Referência angolana de uma imprensa activa

Publicamos a seguir uma série de textos que, mais do que recordações, representam um trabalho( a investigação possível) de António Gonçalves, o Chefe de Redacção mais activo e criativo dos bons tempos do "Notícia"., uma revista angolana que começou a ser publicada nos anos 50 e acabou com o 25 de Abril.

O António é colaborador deste blogue. Alguns dos textos mais interessantes, pelo humor pela crítica certeira, pera referência atempada, são dele.

Um dia sugeriu a ideia de fazer um trabalho de investigação sobre a Revista "Notícia", o jornal do Charula, depois do Fernado Fernades - " A Chuva e o Bom tempo" - mas, seguramenmte a paixão do António Gonçalves.

Um dia, trabalhava ela na RDP, convidei-o para chefe de Redacção do Jornal África - depois de ambos termos feito uma viagem a Angola e em que lhe vi correr lágrimas grossas pelo rosto, quando o avião bateu na pista do aeroporto de Luanda,

Ficou ele surpreendido e todo o pessal que então trabahava no Semanário África. Houve mesmo algumas "revoltas na Bounty", mas ele, com a minha confiança total, assumiu a chefia da redacção com a mesma dedicação com  que o tinha feito no "Notícia",

Tivemos problemas ?  Alguns! Mas nunca de confiança.

Convidei-o depois para fazer parte deste blogue e a sua colaboração é saborosa, sábia, o testemunho e alguém que  viveu vidas e vidas...e vidas.

Os textos devem ser lidos com dois cuidados: primeiro: o António não os reviu; segundo, inverti-lhes a ordem, o que, para quem lê blogues quer dizer que o fim da história não está no primeiro texto, mas no último.

Um outro apontamento: tentámos tudo para ter imagens que falassem das várias fases aqui retratadas do "Notícia", a "televisão angolana dos anos sesssenta". Não o conseguimos, pelo que a leittura dos textos, a " seco" pode parecer maçadora, mas eu, pessoalmente, peço aos leitores que não desistam: vão ficar a conhecer episódios interessantes de um verdadeiro fenómeno de comunicação nos tempos da " antiga senhora".

+N+ Era e Foi-se

O «notícia» foi sempre,desde o início, um semanário ilustrado. Saía, sim senhor, enquanto eu lá estive, aos sábados. Pois sim, mas...Era impresso à quinta-feira, ao fim da tarde. Nessa mesma noite seguia de maximbombo para o Lobito. Pelo caminho ia despejando, aqui e ali, o jornal, como sempre lhe chamámos. Até à Cela era pão com manteiga, mas quando se começava a descer o morrro da Gabela, já não era brinquedo!
Eu sei porque fiz uma vez a viagem no camion!
Do Lobito, o jornal prosseguia a viagem para o Leste, de combóio. Não me lembro exactamente até onde, até onde durasse a sexta-feira, porque ao sábado estaria disponível em toda Angola.
Em Luanda procurava-se retê-lo de modo a ser exposto para venda ao sábado. Mas nas noites de sexta-feira já se via gente a folhear o «jornal», como nós, os que lá trabalhávamos, sempre dissemos.
O nosso «jornal» saiu do nada, por iniciativa do proprietário de uma oficina gráfica, da qual se fez ele próprio cliente. Angola não parecia dizer muito ao entusiasmado Simões. Era um sítio de portugueses. E «estes» careciam de saber melhor o que fazia o Benfica ou o Sporting e evidentemente o Porto, sem perder de vista as idas e vindas do senhor governador ou até dos ministros e secretários de estado que fossem aparecendo.
Vou rever a matéria, aprender o «Jornal» que só conheci quando desembarquei em luanda nos idos de 64. Antes de chegar ao +N+ estagiei no «Comércio». Era um diário, um daqueles que «saía» todos os dias. O director estava doente, em Lisboa.

«Fumar pode ser funesto para o bébé», manchete de l959! Bom, era já de Dezembro,19 mais exactamente,mas quase que podia ser de hoje!, Outra, garantia que Costa Pereira se evidenciara no Sporting-Benfica! Na pág. 14, uma formidável interrogação: «O que é afinal o Mercado Comum?. Na pág. 22 repete-se a pergunta. Pequena gaffe?
Devo salientar que o Hotal Mombaka, de Benguela, aparece evidenciado como terceiro
hotel portugês!
No número seguinte, Costa Pereira volta à evidência: «Nós, os ultramarinos somos tão acarinhados como se tivessemos nascido nos Restauradores. O campeonato português de Portugal fez parte da notícia, como se calcula: «Benfica, à frente, seguido do Sporting. Depois o Guimarães e a seguir o Belenenses. Depois, ainda, o Covilhã e a Académica e só então (7º) o Porto! Aquilo é que eram tempos!...
É no terceiro número, já em 1960, que encontro Angola, com o título: «Morreu o "Cunha" da Quibala». Ergueu um hotel famoso, que espantou o governador de então:Um tal hotel, numa terra que não tinha nem cem habitantes!!! (O que é que o governador entenderia por habitantes?!). Passei por cima «Do Minho ao Algarve»; mirei duas colunas sobre futebol angolano, mas as duas fotos eram jogo Porto-First de Viena...
Finalmente o núnero 4 tem um destaque «nacionalista»: +Angola de Lés a Lés+. Duas páginas inteiras, duas!Logo seguido de uma entrevista com Santos e Sousa - «é antes demais um profissional da Rádio».
Lá isso era e continuou a ser.
Deliciosa a capa do nº5, com a posse do novo governador-geral, dr.Silva Tavares, distinguindo-se entre os assistentes à posse diversos militares de alta patente, o ministro Rui Ulrich, que tutelava as Corporações, a Justiça e o Interior. Coube, claro, ao ministro do Ultramar, Lopes Alves, dar posse.
Na edição seguinte: «sua excelência o Senhor Governador-Geral cumprimenta o representante do +N+, com o sorriso que a imprensa angolana lhe merece!
Mas, no interior, o primeiro choque emocional: Carlos Fernandes, «o moço artista» ganhava o 1º Prémio da «Cultural». Natércia Freire iniciava a sua colaboração no semanário angolano.
No fim de Janeiro anunciava-se o «circuito da Fortaleza». Era bem a mania das corridas de automóveis a impôr-se. E como antologia de grandes reportagens optou-se pelo ataque japonês a Pearl-Harbour!
O «Pica-Pau» fez aparição a 20 de Fev., com uma história infantil e uma foto nos «amigos do». Ocorreu-me que quando entrei no +N+ o chefe me ter dito, com um sorriso de gozo: «...e tens de fazer o pica-porrra»!»
Ainda reli o anúncio a avisar a malta que o +N+ se vendia em Lisboa nas livrarias Bertrand, Portugal e Barata, bem como na delegação, à rua Edison, que não faço a mínima ideia onde seja ou tenha sido.

+N+ ERA E FOI-SE (2)

Faço uma pausa para sublinhar o meu apego ao «jornal» onde cresci como jornalista.
O +N+ apareceu e marcou o seu espaço. Reflectia o meio ambiente onde evoluia. Improvisava, claro, mas buscava colaboração dos melhores. E sem querer aferir da qualidade dos leitores luandinos, talvez que nos finais de 59 se desse preferência ao Baile Trapalhão, no Estoril; ou aos filhos princeses, Carlos e Anne, de Isabel fascinassem mais as jovens senhoras!Os olhos, hoje, são outros. Em Abril de 60 o dr. Salazar irá completar 72 anos e ainda lhe sobravam uma data deles por fazer. As notícias eram essas e eram assim. E como «Eles» não eram muito bons, as notícias reflectiam: «Chinos e portugueses vivem amigos nas ruas apertadas e populosas de Macau. E, vejam lá, o Tribunal de Haia reconhecia o direito de Portugal na Índia!
Por essas e outras é que aconteciam as notícias.
«Vamos ou não perpectuar em Angola a memória do Infante»? - perguntava Jerónimo Ramos
nesse Abril.
Sei lá! Teria eu dito se lá estivesse...
E o décimo (número) saiu (ainda) branco. Sem fulgor, quero dizer. O regresso do governador-mór a Luanda ocupa a capa, deixando um niquinho para o nascimento do terceiro filho de Isabel II.
O número seguinte surge visivelmente melhor arrumado, mas sem assumir-se como jornal angolano ou luandino. No entanto, Agnelo Paiva comenta: «Produzimos azeitonas...mas importamos azeite!» Claro que importavam! Mas de onde?. Ora, os de «onde» não queriam saber de desgraças. A mesma questão voltaria a ser colocada, uns anos depois, por mór das uvas e do vinho que poderia fazer-se, mas não se fez porque, de Lisboa, não deixavam...
E duas páginas inteiras (ou quase) ao Carnaval no Muceque. Devem ter «gamado» um pouco de espaço, uma coluna, para referir a visita do ministro Teotónio Pereira à Índia (lusitana), a que se seguiria um pulo a Luanda!
O nº 13 deu azar e estragou um pouco a pintura. Um desenho sombrio improvisa o terramoto de Agadir e o texto de Couto Rodrigues um desalento de impotência por falta de Informação. Com horários, as oficinas eram implacáveis! Pior ainda o insulto da agência que fornecia a notícia: «apenas alguns milhares de mortos»!
Mas também (e finalmente) uma imagem africana, angolense e luandona,os pescadores da Ilha e o título: «Enquanto a cidade dormia»...
No fim de Março a capa não aparece a preto e branco. Não é ainda a cores, mas com um fundo avermelhado, já sobressai... Abril ressurge a preto e branco, com duas misses europeias, em bikini, no Mussulo. A reportagem sobre elas parece um tudo nada saloia, mas como Salazar aparece também a fazer os já citados 72 anos, fica tudo a condizer... E um texto giro sobre crise que não era crise ou de crise escondida com rabo de fora, com graça e bem feito não é assinado. Cautela e caldos de galinha são precauções como outras quaisquer...Mas era, vamos lá o princípio de usar o jornal (semanário) angolano para falar preferencialmente de Angola, ainda que para insinuar uns tropeções! Angola ganha espaço, desperta! Ainda sobra muito pr'os portugas e a cohabitação parece possível.No fim de Abril, Ernesto Lara aparece a asinar um delicioso texto, onde se vislumbra bem o que ele quis dizer com o seu azulejo para Brasília...
A 14 de Maio, finalmente um africano, pequenino é certo, mas escuro que baste, sentado num alguidar,olha em frente, como se olhasse para mim, sereno. Na altura, as notícias davam conta de que Portugal venceu a Jugosláviapor 2-0.Também se podia ler o Ernesto (Lara, claro!) a relembrar o «Canivete» e a fazer do +N+ o que sempre quisemos que fosse, mas ainda não era...
E, em Maio, o destaque à estrondosa vitória portuguesa no mundial de Madrid, em hoquei patinado tinha razão de ser:o peso ultramarino: Moreira, Adrião, Velasco e Bouçós! Foi obra!
(continua)

+N+ (3)

A monotonia não era muito insistente,mas mesmo se o clima convidava à sonolência, África trepidava e os africanos viam-se incentivados a exigir a libertação, muito mais que geográfica - a condição humana. Não era dos europeus o culto da generosidade, especialmente os europeus de posses colonizadas. Surdos ao troar do vento acabaram por ouvir da pior maneira.
O Congo, deixado de ser belga, mas pouco pacificado, ainda mexia. Em Angola, a administração portuguesa cuidava de baixar o som. A expressão popular «...não disse nada, só falou...» assentava como uma luva.
A morte rondou quando a automotora de Malange descarrilou e tombou.Temeu-se o pior. A tragédia rondou, rondou, lá isso rondou, mas disse nada. Não houve mortes. Só material para a sucata,acabou o +N+ por reconhecer.
A atenção às coisas mais ou menos sérias advertianos em Junho de 60.Uma delas dava conta que o campeão de Angola conquistou o direito de representar o Ultramar na Taça de Portugal! Estava em crer, juro mesmo, que tal «honraria» se ficara a dever a causas que chegariam no ano seguinte. Lapsos, eu sei, o mau carácter das criaturas revela-se nos mais reconditos pormenores.Que me desculpem os ofendidos...
Outra capa de Quim Cabral, do Cita (o palácio Foz lá do sítio),e uma reportagem sobre Luanda à noite comprovavam que Angola ia ganhando espaço. Um espaço onde,por vezes, se intrometiam supresas, como quando o governador de Macau teve uma calorosa recpção. Fui espreitar (ler) para saber onde.Ora, a recepção calorosa foi, imaginem, em Macau! E vindo de onde? Ora! De Lisboa, pois claro...
Mas não demorou a surgir uma reportagem da casa:A caça ao crocodilo. Animada, bem disposta e com bonecos sugestivos!
Problema novo gera reportagem curiosa: «A gorgeta chegou a Luanda». Um engraxador (não sei se fica bem dizer preto?) mais para o escurinho que o dr. Obama, a receber cinco tostões de gorja! Mas também o servidor de cafés, o taxista,o barbeiro, e o arrumador no cinema, todos brancos, lembro-me.
Ocorre-me uma tirada,creio que de Lopo do Nascimento, muito posterior, mas muito
apropósito, numa animada discussão:(...Porra, meninos! Agora, em Luanda, até o gajo do cemitério que nos vai enterrar é branco!»...
Não só por ser branco, digo eu, agora. Era por se estar em Angola, naquela altura. Angola ficava a meio do caminho, quer dizer metado do preço, da viagem até Moçambique. Isso por si, já constituia uma selecção natural entre os que emigravam...
Luanda foi crescendo. E as fotos do Quim iam disso dando conta. Mas outra capa
do +N+ com miudas giras e loiras dá conta de problema vizinho, no ex-Congo Belga.
Refugiados chegados do inferno!O assunto foi tratado, evidentemente, como se nada daquilo estivesse no nosso horizonte...
As capas da revista perdem-se por vezes nos tons escuros, até letras a vermelho ficam baças e obscurecidas e o +N+ vai perdendo nesses dias um pouco de vivacidade.
Lina Vaz (?) surge na capa, fotografada no Mussulo, ao lado de um senhor aparentemente idoso e muito escuro, tanto que o rosto nem se vislumbra...
Pelos fins de Agosto surge uma capa algo previsível: um desfile militar, na magnífica Marginal de Luanda. Comemorou-se o 15 de Agosto...
Em Setembro,o Quim volta a ilustrar uma reportagem, aparentente a Marginal de Luanda,
mas na realidade a reportagem é sobre ele mesmo, a brincar com a noite ea sua maquineta mágica!
E uma extraordinária sequência de fotos sobre piranhas.O sacrifício ao vivo, do «velho» da manada, para que os «seus» atravessem em paz o rio! Nem fotos, nem texto aparecem assinados,na reportagem, com pena minha...
Já em Outubro, uma reportagem engraçada: «Turismo em Macau» permite notar que em Hong Kong tudo é novo e reluzente, mas,em Macau, com 400 anos de História,está repleto de cativantes encantos de outros tempos...
Já em Novembro eis que a Palanca Negra restou paciente todos estes anos, na capa,
à minha espera, para que a mirasse a olhar na minha direcção,na capa triste,já em Novembro.
E, de novo, Joaquim Cabral com fotos a preto e branco de uma luta tremenda entre rinocerontes. Para luta tão empolgante deviam ser rinocerontes profissionais. Pelo menos tanto quanto o fotógrafo! O texto da reportagem,tornado ilegível por
paginação infeliz, mas as fotos dispensam a leitura de texto.